Criatividade na prática educacional: comece adiando o julgamento


Já cansamos de ver uma infinidade de professores (desculpem o trocadilho) professarem no início do ano que determinados alunos não conseguiriam ser aprovados ao final do período letivo. Para esses docentes basta um leve olhar para a aparência do aluno ou mesmo informações (muitas vezes na base do achismo, sem qualquer profundidade de reflexão) de outros professores para que o seu diagnóstico se transforme em uma sentença. 

No mesmo sentido, já vimos também vários programas e projetos serem rejeitados de imediato por profissionais do magistério sem ao menos fazerem uma análise mais apurada da proposta apresentada, sendo taxativos em afirmar que tal propositura era mais uma forma de direcionar a ação do professor para interesses outros que não fossem os de finalidade pedagógica. De certo que, tal comportamento poderia fazer sentido se ao menos aqueles que rechaçam esses scripts tivessem uma contraproposta de ação. Mas não é isso o que acontece, pois, em geral, não se tem qualquer tipo de alternativa ao que foi proposto. Vale lembrar de um caso já citado em nossos escritos de uma professora que quis desqualificar um programa institucional e quando lhe foi pedido que apresentasse uma alternativa para implantar na escola e ela simplesmente disse que não a tinha. 

Da mesma forma, o pré-julgamento ocorre nas reuniões de trabalho, quando colegas nossos apresentam suas ideias sobre determinado assunto ou projeto e logo tratamos de apontar tal ideia como boa ou ruim, acolhendo a que apresenta aspectos positivos e rejeitando a que não nos agrada sem esperarmos o aparecimento de outras ideias que sejam melhores ou que possam se aliar as já existentes, tendo potencial em se transformar em uma “super ideia” e nos trazer “super resultados”. Isso também ocorre durante os cursos de qualificação ou de formação continuada, na medida em que vamos acompanhando o raciocínio do orador ao mesmo tempo em que já estamos formulando conceitos em nossa mente ou até mesmo já os verbalizando para os que estão ao nosso lado, emitindo a nossa opinião e consequentemente ajuizando valores ao que está sendo dito. 

É claro que precisamos ter a nossa opinião, formando os nossos próprios conceitos sobre a realidade e sobre o que nos dizem, porém é preciso compreender o todo. E para isso precisamos escutar o que os outros têm a nos dizer na sua íntegra, pois corremos o risco de termos uma visão parcial do objeto e tirarmos conclusões que sejam incompletas, favorecendo o julgamento depreciativo. Lembremos a metáfora dos cegos que estavam apalpando as partes de um elefante de forma isolada e posteriormente cada um designou o que era o elefante a partir da parte que ele tinha tocado. Só para lembra: o que pegou na orelha disse que o elefante era um grande leque; o que apalpou a tromba acreditou que se tratava de uma grossa mangueira; o que tocou a barriga falou que se tratava de uma grande bacia; o que tateou o rabo afirmou que era uma vassoura e aquele que tinha colocado as mãos em uma das patas do animal concluiu que o elefante era algo como um poste. 

Essas observações nos mostram que a antecipação e a setorização do julgamento reduz a nossa capacidade de percepção e, por conseguinte, a nossa compreensão das coisas e dos fatos. 

Buscando ampliar o nosso entendimento sobre essa questão nos valemos dos estudos de Alex Osborn apud (Torre, 2008, p. 161 e 162). Torre se refere à aplicação do brainstormig, que traduzindo para o português temos algo como “tempestade de ideias”, identificando quatro regras caracterizadas pela abertura do pensamento e que são a chave para o pensamento divergente, e que certamente redunda na reunião de uma série de ideias que possam servir de orientação para a solução de problemas, e com isso se pode, posteriormente, avaliá-las e melhorar as formas. Torre (apud Osborn, 1971, p. 136). 

São as regras de Osborn para o brainstormig: Adiamento do julgamento crítico; Soltar as rédeas da imaginação; A quantidade aumenta a qualidade e, por fim, Combinação e aperfeiçoamento das ideias.

Para efeito das nossas pretensões nesse artigo trataremos de ampliar particularmente a ideia de adiar o julgamento crítico. Torre (2008) afirma que o julgamento, na busca da melhor solução para um dado problema, não será esquecido, mas que ele será fundamental em um segundo momento. Ele pondera que a crítica e a ideação enfraquecem-se quando exercidas simultaneamente, e que por isso o pensamento criativo e o valorativo não podem ocorrer ao mesmo tempo. 

À medida que adiamos o nosso julgamento criamos oportunidades de fortalecermos as nossas verdades, mas isso só ocorre se estamos abertos a essas experiências, e o que é mais importante, “... nossas convicções provam que as coisas são somente como as vemos e não existe alternativa para aquilo que nos parece certo” (Maturana, 2001. p. 22). É nesse momento que precisamos olhar o mundo de uma perspectiva acolhedora e agregadora, pois ao nos colocarmos como seres que estão em constante transformação é que conseguiremos nos inserir de fato no mundo que vive continuamente se transformando. 

Por fim, fazer julgamentos em nossas vidas sempre será necessário, porém esse deve ser o derradeiro passo antes de invocarmos todos os pressupostos que nos garantam que de fato estamos escolhendo o melhor para nós e para as pessoas que podemos alcançar, concomitantemente. Portanto, antes de qualquer crítica ou decisão, adie o julgamento e considere o contexto e todas as possibilidades. Bom trabalho e sucesso! 


1. Torre, Saturnino de La. Criatividade aplicada: recursos para uma formação criativa – São Paulo : Madras, 2008. 

2. Maturana, Humberto R.. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana/ Humberto R. Maturana e Francisco J. Varela – São Paulo: Palas Athena, 2001.